terça-feira, 21 de fevereiro de 2012




POEMAS DO TEMPO ZEN





Zen

Do acaso inesperado surge a espera
De que coisa alguma aconteça agora.
Nada existe dentro, pois não há nada fora
E verão algum vem depois da primavera.

Meu coração nem sente e nem decora
o abecedário do Carlos que ontem fui.
Ele sonha o que eu não sei. E eu sonho vida afora
Com um lago em mim que hoje é um rio e flui.

Vida é o que vivi? E noves fora... nada?
E é dela que eu lembro enquanto acordo e esqueço?
E é na noite escura dela a hora em que amanheço?
E a casa em que moro é um outro chão de estrada?

Sonho? Eu sonhei que me sonhava um dia
E no sonho sonhava que havia um outro em mim,
E ele sabia e me lembrava o que antes esquecia
E do sono me acordei. E o que não era, é. E assim...




Zen II

Existimos aqui ou quando?
Um cair de gota de água somos nós?
Somos o tempo do pio de um passarinho?
O bater de asas de uma borboleta somos nós?
Somos o vento que passou antes de vir,
E, como nós, mal sabe de onde veio e vai?
Somos um primeiro clarão do sol da manhã cedo
Ou o que há entre a noite e a chegada dele
Quando mal a luz clareia o arvoredo?
Somos eternos como a flor que flore um dia?
Ou efêmeros como a terra em que ela cai?


Zen III
(para crianças, logo, para filósofas)

Quem veio?
Disse quem já estava.
Quem chegou agora
e veio lá de fora?
Disse quem ficava
mais de fora do que dentro
e menos “entre” estava
do que “em”!
Quem não veio ainda
e onde anda a sua vinda?
Disse quem não veio
e pensou que já voltava
pra onde veio não vindo,
e nem esteve onde achava
que estaria antes de sua vinda.
Quem já não vem
e é todos e é ninguém.
Perguntou quem pensa
que é, e ainda nem fora.
Quem vem de lá
e, vindo, já está cá?
Perguntou quem veio vindo
de nunca e de acolá.
Quem é que já estando
não veio e nem chegou
Perguntou quem disse alto:
Agora chega, pronto, basta!
O perguntório que houve
nunca houve... e se acabou!


Florescer

Florem os flamboiants
(florescem, diriam outros)
aqui e agora quando outono
acende o fogo-brasa do cerrado.
Mas faz frio e um céu de cinzas
promete chuva até o fim do dia.
Uma cor laranja entre outros verdes
sobrou de setembro e sua sede
e antecipa um pôr-do-sol á nossa volta.
Nem as abelhas entrevoam essas flores
e os sabiás (sábios) preferem outros frutos.
A tarde cai e antes de ser noite tudo é verde
e o verde se desbota  de cinzento
antes que a noite cubra de azul escuro, tudo;
as abelhas, sabiás, folhas e flores, frutos
e nós, aqui,  que falamos do cosmos, do infinito
encalhados no branco desta sala morta
sem saber como a vida se colore à nossa volta.


Sapos, falas

Do que falas, silêncio desta tarde?
Que os sapos do rio falem por ti.
Se as estrelas calam, eles coaxam
E de estrelas e sapos é que tudo existe.
A tarde cala, os sapos cantam
E ensaiam agora o que é orquestra à noite;.
Do que falas, silêncio desta tarde?
O fio dos grilos ecoa entre os campos
E cada brejo é um concerto, é uma festa
De sextetos de cordas e de flautas.

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